segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

A mulher na consideração medieval

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs








Precisamente por causa da valorização prestada pela Igreja à mulher, várias figuras femininas desempenharam notável papel na Igreja medieval, portanto no estrato social mais elevado.

Certas abadessas, por exemplo, eram autênticos senhores feudais, cujas funções eram respeitadas como as dos outros senhores; administravam vastos territórios como aldeias, paróquias; algumas usavam báculo, como o bispo...

Seja mencionada, entre outras, a abadessa Heloisa, do mosteiro do Paráclito, em meados do século XII: recebia o dízimo de uma vinha, tinha direito a foros sobre feno ou trigo, explorava uma granja...

Ela mesma ensinava grego e hebraico às monjas, o que vem mostrar o nível de instrução das religiosas deste tempo, que às vezes rivalizavam com os monges mais letrados.
Pena faltar estudos mais sérios sobre o tema...É surpreendente ainda notar que a enciclopédia mais conhecida no século XII se deve a uma mulher, ou seja, à abadessa Herrade de Landsberg.

Tem o título "Hortus Deliciarum" (Jardim das Delícias) e fornece as informações mais seguras sobre as técnicas do seu tempo.

Algo de semelhante se encontra nas obras de Santa Hildegarda de Bingen.

Gertrude de Helfta, no século XIII conta-nos como se sentiu feliz ao passar do estado de "romancista" ao de "teóloga".

Santa Gertrude

Conforme Pedro, o Venerável, ela, em sua juventude, não sendo freira e não querendo entrar num convento, procurava, todavia, estudos muito áridos, ao invés de se contentar com a vida mais frívola de uma jovem.

Ao percorrer o ciclo de estudos preparatórios ela galgara o ciclo superior, como se fazia na Universidade.

Veio da abadia feminina de Gandersheim um manuscrito do século X contendo seis comédias, em prosa rimada, imitação de Terêncio, e que são atribuídas à famosa abadessa Hrotsvitha, da qual, há muito tempo, conhecemos a influência sobre o desenvolvimento literário nos países germânicos.

Estas comédias, provavelmente representadas pelas religiosas, são, do ponto de vista da história dramática, consideradas como prova de uma tradição escolar que terá contribuído para o teatro da Idade Média.

Santa Hildegarda de Bingen
Na sociedade, em todas as classes, a mulher é por excelência honrada pela fidelidade ao extremo.

A Virgem Maria é o exemplo extremo por quem se fazem catedrais.

Mas, a mulher carne de osso, filha de Eva, como era tratada nos ambientes não eclesiásticos, então puros e hierarquizados?

O francês, tal como no-lo mostram as nossas obras literárias — da Chanson de Roland ao Roman de la Rose — tem o horror inato de qualquer deslealdade, sublinha Elaine Sanceau.

Romper o vínculo feudal e trair os compromissos que o unem ao seu senhor, são para ele as piores espécies de pecados.

O princípio é sagrado e vale para a família e a união matrimonial.

“Cada qual deve portar-se lealmente”, é assim que Eustache Deschamps resume todas as regras de probidade. 

Lancelot amante da rainha Genoveva, e Tristão da loura Isolda, não cessam de trazer no coração o remorso de trair o seu rei, este é todo o drama do seu amor e da sua vida. 

Um sentido inabalável da fidelidade à palavra dada manifesta-se ao longo de toda a nossa poesia, quer seja o vínculo senhorial como nos romances de cavalaria ou, como nas canções dos trovadores, a fidelidade jurada à sua dama.

Yvain incorre nas mais terríveis provações por ter faltado à sua promessa de voltar no prazo marcado.

O verdadeiro amante deve estar pronto a tudo afrontar por amor: proezas físicas, tormentos morais, angústias das separações, nada lhe deve ser difícil quando se trate de conquistar aquela que ama.

A mulher é apresentada como uma criatura semi-divinizada: 

Formoso corpo, rosto claro, resplandecendo tanto como ouro ao sol – são modos cheios de graça. 

Ela representa para o cavaleiro o ideal de toda a perfeição: 

É fácil, segundo a nossa literatura, conhecer o tipo de beleza feminina da Idade Média: 

Ela tem cabeça loura 

Olhos verdes, boca agradável, 

Um corpo para cingir com os braços, 

Um colo branquinho. 

Jamais vi flor em seu galho, 

Juro, que fosse tão branca 

Como é o seu colo encantador; 

Os braços compridos, os dedos finos 

Os pés pequenos, dedos alongados 

Devem ser considerados belos. 

Olhos sorridentes, abertos com propriedade, 

Que tremulam como estrelas Na noite a cintilar. 

 

Os ardis encantadores que o contista nos pinta com traços delicados – Chrestien de Troyes foi nisso excelente – acabam por fazer dela um ser adorável, todo de delicadeza, distinção, elegância de espírito: ardis de pastoras para afastar o perseguidor de encontro, ardis de damas simulando cólera ou orgulho, para melhor seduzir o cavalheiro que as corteja. 

Para realçar a delicadeza de tais quadros, soube-se na Idade Média fazer ressaltar, melhor que em qualquer outra época, o duplo aspecto do eterno feminino. 

Ao lado da Virgem — da mulher respeitada, honrada, aquela pela qual se morre de amor, e de quem só se aproxima tremendo – há Eva, a tentadora, por quem o mundo foi perdido. 

É ela que inspira as canções, que anima os heróis dos romances, que faz suspirarem ou comoverem-se os trovadores. 


Dedicam-lhe os versos, para ela compõem belos manuscritos ricamente iluminados. 

Ela é o sol, a rima e a razão de toda a poesia. 

A própria mulher é poetisa. 

Fábulas e poesia de Maria de França fizeram as delícias dos senhores de Champagne e do outro lado do Canal da Mancha. 

Por vezes a literatura é para ela um ganha-pão, como foi o caso de Christine de Pisan. 

Ainda há não muito tempo elas tiveram de vencer o desprezo a que se expuseram entre nós as “meias azuis”, talvez porque lhes escondiam os defeitos e conseguiam manter um encanto propriamente feminino. 

A Idade Média representa a grande época da mulher, e se há um domínio em que o seu reinado se afirma, é o literário. 

 



(Fonte: Régine Pernoud, “Idade Média ‒ o que não nos ensinaram”).




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